Paradigmas de pesquisa

O artigo “Um retorno ao básico: compreendendo os paradigmas de pesquisa e sua aplicação na pesquisa em administração” foi escrito por Saccol em 2008 e apresenta os dois paradigmas mais comuns nas estratégias de pesquisa na área de Administração: o positivismo e o interpretativismo. Além disso traz conceitos objetivos acerca de ontologia, epistemologia, métodos de pesquisa e técnicas de coleta de dados. Neste conteúdo, busquei resumir meus principais aprendizados.

A autora começa por dizer que um paradigma está relacionado a determinadas crenças e pressupostos que temos sobre a realidade. Realidade essa nomeada como ontologia, pois se refere às coisas como são. É a partir da ontologia que surge a epistemologia, que de acordo com Saccol é como o conhecimento humano é construído, variando de acordo com as posições ontológicas de cada um. De uma forma mais aprofundada, uma posição ontológica define a forma como percebemos o mundo e os fenômenos (físicos ou sociais) que estamos investigando. Dentro da ontologia, entre outras vertentes, podemos optar por uma visão realista (existe um mundo lá fora independente das nossas percepções) ou por uma visão idealista (o mundo lá fora só existe a partir de uma construção mental, quando é percebido por um observador). Em suma, ou o mundo existe pois existe, ou existe pois nós o criamos/percebemos. Porém, entre esses dois extremos existe também a ontologia que considera a interação sujeito-objeto. De acordo com ela, pode-se considerar que a realidade social é produto da negociação e compartilhamento de significados entre as pessoas, isto é, ela resulta de uma construção social. Assim, a realidade é percebida e “criada” numa instância coletiva – as percepções do mundo que compartilhamos em sociedade –, portanto, a realidade é intersubjetiva.

Fazendo um aprofundamento no âmbito da epistemologia, Saccol relata a existência de três correntes mais comuns: o subjetivismo, o objetivismo e o construtivismo. No objetivismo há um significado objetivo em tudo que existe, estando à nossa espera para ser descoberto (isso independe das operações mentais do ser humano). Ao contrário dessa visão, uma epistemologia subjetivista pressupõe que significados são impostos sobre os objetos por parte dos sujeitos, dos seres pensantes (assim, significados são resultados de nossas construções mentais). Por fim, a construtivista diz que não há uma realidade objetiva esperando por ser descoberta. Verdades e significados só passam a existir a partir do nosso engajamento com o mundo (significados não são descobertos, mas construídos).

Adentrando mais especificamente no objetivo do artigo, Saccol ressalta que a partir de diferentes visões ontológicas e epistemológicas, geram-se diferentes paradigmas de pesquisa. Paradigmas são, aqui, entendidos como sendo diferentes visões de mundo. Um paradigma é a instância filosófica que irá informar o método de pesquisa (CROTTY, 1998). É a combinação da ontologia com a epistemologia (a primeira determina a segunda) que originam os paradigmas de pesquisa, dentre os quais escolhemos métodos e técnicas de coleta de dados distintas. Embora haja uma gama de paradigmas, a autora foca nos dois principais para a área de Administração: o positivismo e o interpretativismo. 

O positivismo é o paradigma vigente, o mais comum na área da Administração e tem forte relação quantitativa. É fundamentado em uma ontologia realista, o que remete a verdades objetivas, independente da percepção humana, composta por estruturas palpáveis, tangíveis e relativamente estáveis. Partindo dessa ontologia é que se determina a epistemologia do positivismo, que é da corrente objetivista. Trata-se de um paradigma que considera somente a existência de fatos, não percepções e/ou opiniões. Segue-se uma lógica hipotética-dedutiva: a partir do conhecimento prévio são identificadas lacunas, questões não respondidas. Para essas questões são geradas hipóteses, que são possíveis respostas às questões levantadas. Quanto à axiologia, o positivismo prega a ausência de valores pessoais ou juízo moral do pesquisador associados ao processo de pesquisa. Tais valores ou juízos são considerados como “vieses” que devem ser evitados através da adoção de métodos e procedimentos claros, estruturados e quantitativos de pesquisa. Um paradigma positivista se pauta em construção de variáveis e constructos. Além disso requer validade e confiabilidade. Todos os procedimentos metodológicos adotados ao longo de uma pesquisa positivista devem ser descritos em detalhe, para que possam ser verificados e, se for o caso, replicados por outros pesquisadores, que deveriam, de acordo com essa lógica, que considera a realidade como objetiva, chegar aos mesmos resultados da pesquisa original. Com isso, todo conhecimento deve ser capaz de ser posto à prova, para que possa ser validado ou refutado. Por pressupor uma realidade objetiva e estável, o paradigma positivista preocupa-se com a questão da generalização do conhecimento e com a busca de teorias, modelos, princípios e leis que nos permitam não só conhecer a realidade, como, preferencialmente, prever a ocorrência de determinados fenômenos.

Já o paradigma interpretativista faz oposição ao positivista, pois apresenta um ontologia de interação sujeito-objeto. A realidade é reproduzida por meio de interações sociais; ela não é algo “dado”, à espera de uma descoberta (ORLIKOWSKI e BAROUDI, 1991). A lógica prevalecente no paradigma interpretativista é indutiva, pois o pesquisador procura não impor o seu entendimento prévio sobre a situação pesquisada. Orlikowski e Baroudi (1991) afirmam que, de acordo com a lógica interpretativista, o conhecimento sobre os processos sociais não pode ser construído a partir de deduções hipotéticas ou cálculos de relações entre variáveis. A compreensão dos processos sociais pressupõe um “mergulho” no mundo no qual eles são gerados. Ao invés de ir a campo com um conjunto predefinido de construtos ou instrumentos para medir a realidade, o pesquisador, muitas vezes, deriva seus construtos a partir do trabalho de campo, visando a captar aquilo que é mais significativo, segundo a perspectiva das pessoas no contexto pesquisado. Neste caso a axiologia não apresenta uma posição neutra, o interpretativismo não busca eliminar o que os positivistas chamam de “vieses”, mas, sim, assume que tais pressuposições e crenças dos pesquisadores estão presentes e sugere torná-las o mais evidente possível. Embora não siga a mesma lógica de validade e confiabilidade estatística discutida na seção anterior em relação ao paradigma positivista, uma pesquisa Interpretativista é uma tarefa desafiadora, pois exige uma considerável preparação por parte do pesquisador, e uma série de princípios a serem atendidos visando a garantir sua seriedade, profundidade e robustez. Observar critérios de qualidade das pesquisas interpretativista como o princípio do círculo Hermenêutico, contextualização, autenticidade, interação entre pesquisador e pesquisados, raciocínio dialógico, múltiplas interpretações e Princípio da Supeita, abstração e generalização e plausabilidade é algo fundamental.

Para finalizar, o quadro abaixo – que foi retirado do próprio artigo – serve como um ótimo referencial para pesquisadores.

Sugiro que, além do artigo da Saccol, você busque explorar profundamente a temática dos paradigmas de pesquisa. Isso fará total diferença em sua trajetória de construção científica.

Referência:

CROTTY, Michael. The foundations of social research: Meaning and perspective in the research process. Routledge, 2020.

ORLIKOWSKI, Wanda J.; BAROUDI, Jack J. Studying information technology in organizations: Research approaches and assumptions. Information systems research, v. 2, n. 1, p. 1-28, 1991.

SACCOL, A. Z. Um retorno ao básico: compreendendo os paradigmas de pesquisa e sua aplicação na pesquisa em administração. Rev. Adm. UFSM, Santa Maria, v. 2, n. 2, p. 250-269, maio/ago. 2008.

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4 opiniões sobre “Paradigmas de pesquisa”

  1. Parabéns pela clareza nas explicações. Parabéns também por citar as fontes (autores), pois está cada vez mais raro vermos isto!

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